por Natasha Myers
O que vem a seguir são excertos de um projeto que estou chamando de Semeando Plantropocenos. Tomando a forma impossível e quase totalmente absurda de um guia passo a passo para sair do Antropoceno, esse projeto atende a chamados recentes por formas de fabulação especulativa. Esse formato funciona bem para canalizar tanto minha raiva com nossa presente situação quanto minhas aspirações lúdicas e ternas – ainda que sérias – de sonhar mundos diferentes.
Isto não é tanto um ensaio, mas sim um encantamento. Precisamos lembrar que estamos vivendo sob um feitiço, e esse feitiço está destruindo nossos mundos. Está na hora de lançar outro feitiço, de evocar outros mundos à existência, de conjurar outros mundos dentro deste mundo. A situação em que nos encontramos agora nos deixa à beira da linguagem, tentando nos segurar às margens da imaginação. Precisamos de arte, experimento e disrupção radical para aprender outras maneiras de ver, sentir e saber.
Considere isto como um convite para experimentar formas de imaginar um tipo diferente de “nós” para catalisar ação no mundo.
Diga de novo. E de novo. Não podemos nos esquecer de continuar perguntando: Quem exatamente é evocado por esse Anthropos, aquela figura posicionada à frente do Antropoceno? A retórica Antropocênica chama de “Homem” o agente de sua própria desgraça e, simultaneamente, o alça como o único salvador viável do planeta: “Nós nos colocamos nesta bagunça. Só nós, humanos, podemos nos tirar dela.”
Mesmo quando o pensamento Antropocênico tenta chamar nossa atenção para os efeitos execráveis de nossas ações – e para finalmente nos responsabilizarmos por elas – ainda coloca os humanos como agente singular, transcendente e separado de uma natureza edênica em perigo. Essas narrativas recentralizam ao invés de descentralizar o “Homem” como agente com domínio natural sobre o futuro do planeta.
Não se distraia com a concretude equivocada dos esforços científicos para articular os marcadores físicos e os limites temporais de uma era geológica feita por humanos. O que estamos testemunhando é a apoteose de cinco séculos de violência colonial, capitalismo extrativista, supremacia branca, misoginia e arrogância do excepcionalismo humano. Capitaloceno e Plantationoceno são alcunhas apropriadas para identificar as forças que vêm há tempos terraformando o planeta. Essas forças destrutivas não são impulsionadas por todas as pessoas, mas por formas particularmente nocivas de moldar a vida à imagem do Homem autoexaltante.
Lembre-se disto: nem todos são evocados por essa figura ou modo de vida. O capitalismo e o colonialismo não devem ser confundidos com a existência humana natural ou inata. Eles não são consequências inevitáveis da evolução humana ou da civilização. Mas eles catalisaram e condicionaram nossa situação atual: um mundo repleto de antinegritude e outros racismos, expandindo formas de extração e escravização, emergências climáticas e ruína ecológica.
Marisol de la Cadena chama a atenção àqueles Antropos-não-vistos, cujas vidas e terras continuam a ser exauridas na acumulação de riqueza por poderes coloniais e neocoloniais. Essas são as pessoas que continuam sendo alvos da expropriação e mesmo de escravização – talvez especialmente – hoje, enquanto o capitalismo pisa fundo em seu esforço para “ser verde” e “salvar o mundo”. Não acredite na moda da retórica sustentável. Os mundos construídos pelo colonialismo e pelo capitalismo racial são inabitáveis para todos nós.
Não há como “atenuar” a violência Antropocênica usando a lógica do Antropoceno. Recuse chamados para criar para o Antropoceno. Essas criações são justamente o que Erik Swyngedouw identifica como as “soluções tecnológicas” que vão nos manter presas aos mesmos ritmos de extrativismo e expropriação. Recuse-se a ser atraída para dentro daqueles complexos de eduentretenimento sobre mudanças climáticas, como os Jardins da Baía de Singapura, cujas infraestruturas de concreto, metal e vidro reluzente e designs que demandam mão-de-obra e capital intensivos expõem primorosamente a farsa da sustentabilidade como uma manobra estética enraizada em visões edênicas da natureza. Esse não é o tipo de verde que vai nos salvar.
Sim, já há apocalipses em curso a nosso redor. A dizimação da floresta Boreal para extração de betume em terras indígenas roubadas no Canadá é um desses apocalipses. Porém, entregar-se ao raciocínio apocalíptico é em si um tipo de estratégia de fuga, um escape fácil. A pornografia de ruína, inclusive aquelas imagens muito cativantes de plantas emergindo através de prédios abandonados em Detroit e Chernobil, prospera com essa narrativa de “um mundo sem nós”. A Terra vai ficar muito melhor sem as pessoas, dizem. Cuidado com esse pensamento apocalíptico. O pensamento Antropocênico nos captura em uma escravização do apocalipse e coloca todos nós a trabalhar, sonhando furtivamente com o fim dos tempos.
Temos que recusar o que Donna Haraway chama de “detumescência trágica” de um arco narrativo que está focado em puxar o planeta inteiro em direção à catástrofe incontrolável. Não se resigne a pensar que é assim mesmo que tem que ser, como se o apocalipse fosse justamente o que terá sido.
Resista à tentação do apocalipse como se sua vida dependesse disso. Frederic Jameson nos lembra que é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo, mas o único jeito de frear o impulso do Antropoceno é quebrar o capitalismo e ativar processos de descolonização. E ainda que seja claramente a hora de desmontar essas infraestruturas Antropocênicas, não é preciso esperar até o fim deste mundo para começar a conjurar mundos habitáveis. Como Stuart McLean nos lembra, há ainda outros mundos neste mundo. E há, por enquanto, mundos por vir. Mas que mundos serão habitáveis? Aimi Hamraie nos pede para questionar o neoliberalismo e o capacitismo do conceito de habitabilidade: habitável para quem? É hora de repensar a própria constituição desse “nós” se quisermos aprender a tornar os mundos habitáveis para todos.
Olhando para os últimos quinhentos anos de esforços para impor a independência do Homem Ocidental em relação à natureza – e seu poder sobre ela –, fica claro que nunca se deveria confiar em nós para agirmos sozinhos. O pensamento Antropocênico é tão obcecado pela independência do Homem, pela ação e pela autonomia unilaterais, que se esquece que existem outras forças e poderes entre nós, inclusive aqueles com habilidades significativamente melhores no âmbito da fabricação de mundos e mudanças de nível planetário. Em alguns casos, esses seres têm bilhões de anos a mais de experiência do que nós em terraformar mundos habitáveis.
Quem fez este planeta habitável e respirável para animais como nós? Diga em voz alta: os fotossintetizantes. Os organismos fotossintetizantes formam uma força biogeoquímica de uma magnitude que Lynn Margulis nos assegura que ainda não compreendemos propriamente. Mais de dois bilhões de anos atrás, micróbios fotossintetizantes impulsionaram o evento hoje conhecido como a catástrofe do oxigênio ou a grande oxidação. Essas criaturas alteraram dramaticamente a composição da atmosfera, asfixiando as antigas criaturas anaeróbicas com vapores de oxigênio venenoso. Se continuássemos a cair na armadilha de nomear eras lineares, ligadas ao tempo, com nomes de agentes singulares, talvez ficássemos balançados ao pensar que estamos vivendo no rastro do que deveria ter sido chamado de “Fitoceno”.
Fotossintetizantes, como cianobactérias, algas, plantas terrestres e árvores, são os mais poderosos agentes de rearranjo elementar do planeta. Duygu Kaşdoğan nos mostra que a ciência da fotossíntese, com suas métricas focadas em extrair valor de seres verdes, está muito mergulhada na lógica do capital naturalizado. Esses seres verdes devem ser entendidos de outra forma; isto é, como praticantes de uma espécie de materialização alquímica, cósmica. Achamos que as plantas não podem se mover, mas elas se estendem através do cosmos, coletando energia do Sol em seus tecidos para que possam fazer sua mágica terrestre. Captando matéria do puro ar, as plantas devem ser entendidas como conjurantes produtoras de mundo. Elas nos ensinam as lições mais sutis sobre matéria e materialização.
Mais poderosas do que qualquer complexo industrial, as comunidades de criaturas fotossintetizantes rearranjam os elementos em um nível planetário. Elas sabem como compor mundos habitáveis, respiráveis e nutritivos na terra e na água. Quando expiram, elas compõem a atmosfera; à medida que se decompõem, materializam o adubo e alimentam o solo e os oceanos. Segurando a Terra e sustentando o céu, elas cantam em frequências ultrassônicas quase audíveis à medida que transpiram, movendo enormes volumes de água das profundezas da Terra até as mais altas nuvens. Elas limpam as águas e nutrem todas as outras formas de vida. E, para aqueles cativados por uma economia que fetichiza o carbono, talvez a arte mais importante que essas criaturas praticam seja a de sugar, com gosto, as emissões gasosas de carbono que nós humanos geramos tão abundantemente.
Dizer que florestas e micróbios marinhos formam os “pulmões da Terra” é subestimá-los. Eles literalmente nos criam com sua respiração. Todas as culturas revolvem ao redor dos ritmos metabólicos das plantas. As plantas são substância, substrato, suporte, símbolo, signo e sustento das economias políticas por todo o mundo. Temos de aprender como trabalhar com e para as plantas de forma que possamos ter prazer e ser nutridos, vestidos, abrigados, curados – sem destruir a Terra.
As plantas são as produtoras de mundos de que precisamos se temos esperança de cultivar mundos habitáveis. E nossos mundos só serão habitáveis quando as pessoas aprenderem como conspirar com as plantas.
Repita isto de novo e de novo: nós somos das plantas. Agora, se isso é verdade, então a figura que deveria embasar nossas ações não é a do autoexaltante Anthropos, mas uma figura estranhamente híbrida que poderíamos chamar de Planthropos. Agora tente pronunciar esta palavra até que ela saia de sua boca com facilidade: Plantropoceno (sim, é esquisita e vai soar meio boba, mas dê-se uma chance e tente). Um Plantropoceno é uma episteme aspiracional, não uma era regida pelo tempo, que nos convida a criar novas cenas e novas formas de ver e semear relações plantas-pessoas no aqui e agora, não em um futuro distante. Ela é enraizada na sabedoria dos projetos de solidariedade radical antigos e atuais que as plantas já cultivam com suas muitas pessoas.
Em vez de circunscrever os horrores que encaramos agora, Plantropocenos é um convite a nos enraizarmos em uma maneira de viver que quebraria a estrutura da lógica Antropocênica. Os Plantropocenos apontam para os futuros unidos e incertos de plantas e pessoas e demanda que mudemos os termos do encontro para que possamos nos tornar aliados desses seres verdes.
O antropólogo Tim Choy faz um importante chamado pela formação de uma conspiração de respirantes. É uma política instigante em que as pessoas aprendem a con-spirar, isto é, respirar juntas, para lutar contra os efeitos atmosféricos da exuberância industrial. Choy nos ajuda a pensar a conspiração de outra forma, não como uma associação sinistra, mas como uma forma de solidariedade para uma política habitável. É hora de estender seu chamado por uma conspiração de respirantes para que inclua as plantas. Ou seja, precisamos aprender não apenas como colaborar com as plantas, mas também como conspirar – para respirar – com elas.
Lembre-se disto: o que é bom para as plantas é bom para todo mundo, humanos e não humanos. Fique do lado delas. Considere-se a serviço delas. Passe a conhecer as plantas intimamente e nos termos delas. Certifique-se de explorar seus desejos por formas de vida que não são para nós. Apoie os esforços delas para manter a terra fresca e as águas limpas. Como Maria Puig de la Bellacasa nos lembra, dê espaço às plantas e aos solos delas e tempo para florescerem fora dos ritmos do extrativismo capitalista e da violência química da agricultura industrial. Lembre-se: elas precisam de seus polinizadores; elas precisam de suas relações fúngicas; elas precisam de seus aliados animais.
Acima de tudo, elas precisam que reconfiguremos como estabelecemos nossas relações com elas. De fato, se as plantas são adoradoras do Sol, talvez nós devêssemos ser adoradoras das plantas. Um pouco de reverência pelas plantas cairia muito bem. Invente rituais. Funde uma igreja local para adoração das plantas. Não se preocupe: reverência pelas plantas não significa que você não pode comê-las. Mas, significa que seria de bom tom agradecê-las por sua generosidade. Pense um momento: se tivéssemos que consultar as plantas para pedir permissão para usá-las, a agricultura industrial, a mineração a céu aberto, o corte raso e o concreto em expansão do alastramento urbano seriam impensáveis. Pergunte a elas, elas vão te dizer.
Eve Tuck e K. Wayne Yang afirmam que descolonizar significa devolver as terras roubadas aos povos indígenas. Tiffany Lethabo King, Ruth Wilson Gilmore e Katherine McKittrick nos ensinam como a descolonização exige que encaremos e desmontemos os modos explícitos e implícitos por meio dos quais estados coloniais são estruturados na supremacia branca, na antinegritude, na escravidão e nos apagamentos de relações terra-corpo existentes. Talvez um passo em direção à descolonização demande que rompamos nosso senso comum colonial que molda a forma como compreendemos – ou seja, tanto como vemos quanto como apreendemos – a terra e as plantas.
Falar com plantas parece maluco para você? Considere isto: apenas algumas gerações antes de você nascer, a vida de seus e suas ancestrais estava intimamente emaranhada com as plantas: eles e elas sabiam como cultivar e colher plantas para nutrição, medicina, arte, artesanato e abrigo. Por milênios, pessoas passaram a conhecer os poderes e as predileções das plantas, especialmente aquelas cujas vidas e sustento as emaranham com as plantas e as prendem em sua espiral. Há jardineiros, produtores rurais, caçadores, curandeiros, herbalistas, cozinheiros, artistas, naturalistas, guardas florestais, cientistas e xamãs por todo o mundo que encaram as plantas como seres sencientes que merecem ser levados em conta. Muitas pessoas ouvem as plantas cantar, ainda que não necessariamente nos registros audíveis que você poderia esperar.
E, ao mesmo tempo, muitas pessoas – talvez até mesmo você – achariam isso absurdo. Claro, você leu aquela matéria sobre plantas no feed de seu Facebook: “Ciência confirma que raízes das plantas possuem um tipo de inteligência de enxame…”. Mas não precisamos das desencantadoras ciências de detecção de plantas para nos dizer aquilo que as pessoas das plantas sabem há muito tempo. O que nós precisamos é tornar estranho o desencantamento e o ceticismo que herdamos daqueles cujo poder foi assegurado em parte através de ciências desenhadas para invalidar todas as outras formas de conhecer o mundo. Foram os colonizadores, claro, que se recusaram a acreditar nas afirmações de povos indígenas e locais de que as plantas podem cantar.
Precisamos nos lembrar que o excepcionalismo humano é outra formação colonial, uma que violentamente retira a senciência e a vitalidade do mundo mais-que-humano a nosso redor. É hora de dessintonizar nosso aparato sensorial colonial, que tem tanta influência sobre nossas percepções e ações no mundo.
Para fazer isso, nós precisaríamos subverter tudo que acreditamos que era senso comum. Esqueça tudo que você achava que sabia sobre o mundo vivo, especialmente o que você acreditava ser perceptível, imaginável, razoável, legível e significativo. Recuse os desencantamentos de uma ciência mecanicista que representa mundos mais-que-humanos na forma de pedaços de vida e morte alienáveis prontos para serem porcionados como propriedade, recurso ou mercadoria. Deixe para trás economias morais coloniais e capitalistas que ditam o que é bom, valioso e verdadeiro – especialmente aquelas que naturalizam crescimento econômico e extrativismo como o trabalho que é próprio ao “Homem”.
Recuse-se a disciplinar ou ridicularizar cosmologias locais e indígenas. Lute contra qualquer contorcionismo ou apagamento ou reducionismo do conhecimento delas que busque tornar tais práticas legíveis ou comensuráveis ou racionais para a ciência. Não se aproprie de conhecimentos indígenas, mas faça um trabalho individual para se tornar receptivo e responsivo, de forma que possa levar a sério esses conhecimentos. Plantropocenos abre espaço para outras formas de conhecer e narrar o mundo vivo. Lembre: há pessoas ao redor do mundo todo que possuem os protocolos, o saber-fazer e a responsabilidade de consultar as plantas. Mundos habitáveis precisam de pessoas que saibam como conversar com as plantas.
Depois que você tiver começado a desestabilizar o senso comum colonial que permeia suas percepções e atenções, é hora de vegetalizar seu aparato sensorial para que você também possa aprender com e junto das plantas. Como um co-conspirador que apoia seus projetos, você precisa estagiar com elas. O que as plantas querem? O que as plantas sabem? O que uma planta pode fazer? Ainda não sabemos. Mas você pode ir até elas com a abertura do não saber e esquecer aquilo que achava que contava como conhecimento.
Considere isto: seu aparato sensorial, especialmente seus sentidos de cor, textura, paladar, tato e olfato já são articulados pela vida vegetal. As formas delas inspiram sua estética, moldam seu habitus e animam sua imaginação. Dessa perspectiva, fica claro que seus sentidos já são vegetalizados. Mesmo assim, ainda há muito trabalho a ser feito para aprender como estender seu aparato sensorial sinestésico para alcançar os mundos vivazes das plantas.
Para acordar a planta latente em você, você vai precisar se interessar por coisas com as quais as plantas se importam. Apesar de plantas não terem olhos, orelhas, narizes ou bocas, não se engane: elas podem sentir de maneiras que lhes permitem ver, ouvir, cheirar, provar, sentir e responder ao mundo. Deixe as sensibilidades plantosas delas afetarem sua própria. Sintonize-se com os modos diferentes com que elas fazem o tempo, aprenda a seguir seus tempos, ritmos e compassos. Preste atenção às formas como elas desafiam noções demasiadamente humanas de individualidade, integridade corporal, subjetividade e agência. Deixe as plantas redefinirem o que você quer dizer com os termos “sentir”, “sensibilidade” e “senciência” e o que você entende por comunidade e relação. Deixe-se ser atraída por suas viradas trópicas e logo você vai adquirir novas habilidades sensoriais vegetalizadas.
Você também pode ativar a planta latente em você através de encantamentos, hipnose, meditação ou ioga. A vegetalização é possível porque seu corpo não termina na pele. Seus contornos não estão restringidos pela aparência física. Seu imaginário morfológico é fluido e mutável. Na verdade, seus tecidos podem absorver todo tipo de fantasias. Sua imaginação gera mais do que meras imagens mentais; seu alcance se estende através de todo seu aparato sensorial. Simultaneamente visuais e cinestésicas, imaginações carregam uma carga afetiva. Elas podem excitar seus músculos, seus tecidos e sua fáscia, elevar ou alterar seus sentidos. Você pode desdobrar semiose em sensação. Experimentos perceptivos podem rearticular seu aparato sensorial. E, através do ato de imaginar outramente e de contar narrativas diferentes, você pode abrir novos mundos sensíveis.
Você também pode deixar as plantas trabalharem diretamente em você. A Cannabis e a Ayahuasca têm sido grandes aliadas para aqueles que buscam tatear a senciência do mundo mais-que-humano. Mas, acima de tudo, envolva-se com a vida vegetal. Abra espaço para as plantas se enraizarem e reserve tempo para vê-las crescer. Demore-se entre elas e deixe suas senciências e sensibilidades alterarem sua percepção, como você pensa, como e o que você sabe.
À medida que você começa a trabalhar rompendo com o senso comum colonial e vegetalizando seu aparato sensorial, o mundo começará a parecer e ser sentido muito diferente. Você pode começar a sentir coisas que nunca percebeu antes. Você pode ficar com o sentimento de que está sendo observado em todo lugar que vai. De fato, as plantas e as árvores não são indiferentes a você: elas estão prestando muita atenção a todos os seres que se reúnem ao redor delas. Elas sabem como atrair você e seus outros co-conspiradores com força.
Comece com as plantas. Siga seu crescimento inquisitivo, suas raízes e seus rizomas fugidios e os movimentos amplos de seu pólen e de suas sementes. Uma ecologia inteira de seres e devires e desfazimentos vai logo se tornar perceptível. Emaranhe-se no momentum involucionário que impulsiona esses seres às vidas uns dos outros, e você logo começará a perceber ecologias afetivas tomando forma entre o matagal de relações a seu redor.
Cultive modos de atenção que permitam que você perceba o que importa para as plantas e seus co-conspiradores. Tornando-se sensor, sintonize-se nessa ecologia de práticas e praticantes. Siga o puxar e o empurrar, as atrações e repulsões, os acontecimentos tomando forma nas plantas e ao redor delas. Tente perceber os modos como as plantas praticam suas artes no limite entre a vida e a morte. Com o tempo, você vai começar a dessintonizar seu aparato sensorial ecológico colonial, e novos mundos vão se abrir ao horizonte.
Desenvolva protocolos para uma ecologia que não pode ser ligada à rede – um modo de investigação que recusa o colonialismo, o militarismo, a heteronormatividade e a economização da vida que embasa a ecologia convencional. Resista a desejos de legibilidade e generalizibilidade estatística. Recuse tentativas de calcular as eficiências energéticas de uma ecologia ou de aplicar análises de custo-benefício. Invalide métricas que dividiriam relações ecológicas em partes mecânicas. Quebre todos os sensores automáticos, pré-fabricados.
Com o tempo, você vai começar a esquecer o que costumava achar que a “natureza” era; vai esquecer como costumava pensar que a vida “funcionava”; e, eventualmente, vai esquecer também dos tropos naturalizantes que fizeram você acreditar que seres vivos “trabalham” como máquinas, ou que florestas realizam “serviços ecossistêmicos”, ou que “reprodução” e “aptidão” eram as únicas medidas valiosas e registráveis de uma vida.
Chame atenção aos desejos capitalistas e coloniais das ciências ecológicas. Diga não às métricas precisas da ecologia convencional que justificam uma ecologia extrativista devedora da expansão e da expropriação. Esteja atenta às ecologias do Antropoceno que reduzem práticas de cuidado com a terra a gerenciamento de recursos. Faça ecologia outramente.
Descolonizar a ecologia em Estados colonizadores como Canadá, Estados Unidos e Austrália significa restaurar a soberania e a liderança indígena a terras roubadas e fazer uma reparação baseada na terra para comunidades negras vivendo na esteira da escravatura. Em qualquer Plantropoceno, governos coloniais devem ceder o controle sobre o gerenciamento de terra e criar espaço para comunidades desapropriadas trazerem cerimônias e curas para suas terras e seus corpos.
Os incêndios devastadores e descontrolados que estão incinerando estados colonizados são resultado direto da remoção de pessoas indígenas de suas terras e da supressão genocida de suas práticas e de seus conhecimentos, especialmente a arte e a cerimônia de cuidar da terra com o fogo. Os guardiões de conhecimento indígena sabem como conspirar com o fogo para cultivar mundos habitáveis e próprios à vida. Na Ilha Tartaruga, as savanas de carvalho remanescentes na Califórnia e ao redor dos Grandes Lagos, por exemplo, foram feitas ao longo de milênios por pessoas indígenas trazendo fogo para moldar relações através de terras, criando mundos abundantes para a cerimônia, a colheita, a jardinagem e a caça. Restaurar a liderança indígena da terra é uma forma de redução de danos e de ação climática. Essas são as conspirações plantas-pessoas que vão nos salvar.
Esqueça tudo que você pensou que um jardim fosse. E tudo que você pensou que um jardineiro deveria ser. Seu trabalho no Plantropoceno é instaurar conspirações plantas-pessoas para manter este planeta habitável e respirável. Seu principal compromisso vai ser apoiar o crescimento de plantas. Em todo lugar. Comece deixando as plantas crescerem onde elas quiserem: deixe que quebrem o concreto; que se enraízem em toda fissura e superfície; que cresçam pelos buracos de cada cerca.
Não tenha medo das plantas. Lembre-se: aquelas plantas que nós acusamos de serem “espécies invasoras” estão aqui para nos ensinar sobre a destruição do colonialismo. As plantas, em si, não são más. Elas crescem onde as terras tiverem sido destruídas. Elas crescem em locais de expropriação. Elas crescem onde as terras e os corpos estão fora de relação. Antes de envenenarmos a terra com pesticidas para erradicar plantas não nativas, precisamos nos perguntar o que elas estão fazendo? O que elas estão nos ensinando sobre colonização e sobre as ruínas do capitalismo? Como podemos conspirar com elas para curar terras e corpos?
Os Plantropocenos arrancam as infraestruturas de nossas cidades Antropocênicas fundadas em desejos edênicos de uma natureza domada e contida pelo Homem. Devolva as estruturas da antiga ordem às plantas e aos fungos; deixe que as decomponham. O crescimento selvagem de plantas urbanas certamente anuncia o declínio do Império, mas, em um Plantropoceno, crescimento selvagem não será lido como um sinal de ruína.
Cidades Plantropocênicas serão planejadas para apoiar a vida vegetal em todo lugar. Cada superfície vai oferecer uma possibilidade, um lugar para plantas se enraizarem, crescerem e se decomporem. Talvez um dia você conspire com as plantas para cultivar sua própria casa. Talvez as cidades se cultivem e se tornem florestas resfriadoras, transbordando nutrientes.
Os Plantropocenos frustram o imperativo capitalista de fazer crescer as economias, superando o impulso pelo capital, pelo imperativo de dar às plantas o tempo e o espaço de que precisam para crescer, para articular livremente relações com seus aliados e expressar todos seus desejos. Os humanos terão de ceder seus poderes biopolíticos para as terras e os corpos. Não estaremos mais no controle.
Recuse a estética da pornografia de ruína, que restringe nossas imaginações sobre o crescimento selvagem a locais de degradação cultural, como se, somente no rastro da extinção humana, as plantas fossem capazes de expressar seus plenos e irrestritos poderes (leia-se: monstruosos). Cultive, ao invés, um gosto pela pornografia do Plantropoceno: arte que mantém as pessoas no jogo através do estabelecimento de relações entre plantas e pessoas; arte que apresenta “a natureza como amante”; arte que nos atrai para o reino dos prazeres mais-que-humanos. Faça a curadoria de sua própria Casa de Banho Ecosexual e faça amor com as plantas. Una-se à artista eslovena Špela Petrič e à Plant Sex Consultancy para criar vibradores para plantas e flores de vaso solitárias que perderam seus polinizadores.
Você também pode aprender a fazer fotossíntese. Ative sua própria capacidade de materialização cósmica aprendendo os protocolos de Chimera Rosa para tatuar sua pele com clorofila.
Junte-se a artistas do Dance for Plants e crie performances para as plantas de vaso que estão dançando devagar nos parapeitos das janelas de seu apartamento. Treine com o artista mexicano Gilberto Esparza para criar sistemas de apoio a plantas nômades e vivas. Construa os corpos de suas máquinas planimais a partir de lixo eletrônico coletado das ruínas do capitalismo e os programe para retirar sua energia da vida bacteriana, de forma que, quando eles sugarem o esgoto puro dos córregos industriais tóxicos a seu redor, possam transformá-lo em água que sustente as plantas e seus aliados.
O que quer que você faça, conspire com as plantas para fazer arte como se sua vida dependesse de romper o senso comum colonial que nos deixaria a todos morrer no Antropoceno.
Natasha Myers é Professora Associada do Departamento de Antropologia da York University, Toronto. Você pode segui-la no Twitter e no Instagram. Uma versão anterior deste artigo apareceu em 2018 no "The World to Come: Art in the Age of the Anthropocene", publicado pelo Harn Museum Harn de Arte da Universidade da Flórida. Ilustração por Chana de Moura