Por Inaê Moreira
Iustração de Karla Ruas
Durante o sequestro colonial, meus ancestrais, que foram brutalmente arrancados de suas terras, foram obrigados a dar diversas voltas ao redor da árvore do esquecimento e atravessar a porta do não-retorno, deixando para trás seus nomes, seus idiomas, suas crenças e seus familiares. É muito mais fácil controlar um povo disperso, sem memória, e essa é uma estratégia cruel utilizada ao longo de séculos pela supremacia branca para explorar, saquear e assassinar diversas culturas. Por isso, o culto à ancestralidade foi e é uma prática fundamental para a sobrevivência e resistência de meu povo.
Os cantos, as danças e as cerimônias, assim como a relação com a natureza e suas medicinas, práticas que trouxemos de África, permitiram que nossas raízes não fossem sufocadas e nos mantiveram de pé até aqui. Acredito que o grande desafio comum às pessoas negras que vivem neste tempo, além de sobreviver, seja não se deixar capturar pelas sedutoras armadilhas do opressor, por suas mercadorias e pelos atrativos vazios que nos tornam cada vez mais dependentes e nos levam a negar nossas próprias origens.
Cada sabedoria ancestral contém em si o poder necessário para enfrentar as violências impostas por esta sociedade, como o racismo, o sexismo, a fome e os inúmeros epistemicídios. Sabemos que nossas tecnologias sempre estiveram aqui a serviço do bem-comum. Nos terreiros, reerguemos nossas comunidades respeitando os seres que cocriam essa dimensão da existência conosco, animais, rios, florestas e outros entes. Nós nos comunicamos com todos os elementais através de cada Orixá, e é por isso que viemos crescendo como uma árvore frondosa mesmo diante das inúmeras tentativas de aniquilação.
Acredito que nosso bem mais precioso seja “lembrar”. Neste 20 de novembro, celebro, com orgulho, nossa memória sempre viva que, na contramão do que chamam de “progresso”, coloca os pés na terra para lançar sementes de um futuro ancestral. Peço licença e à bênção ao que me antecede. Reverencio a memória da morte vestida de luta de Zumbi dos Palmares, em oposição ao 13 de maio, “dia da abolição”, em que a tal princesa assinou a Lei Áurea, que nada nos garantiu em direitos. As palavras do ativista negro sul-africano Stive Biko reforçam: “A Consciência Negra simboliza o entendimento que, sobretudo, as pessoas negras possuem o valor da sua cultura e a importância de se reconhecerem como indivíduos que possuem direitos, como qualquer outro. Dessa forma, a busca pela justiça e igualdade se tornou uma luta mais que necessária para essas pessoas.”
Viva Marielle Franco, não nos esquecemos. Viva Dandara e Zumbi dos Palmares, não nos esquecemos. Viva Anastácia, não nos esquecemos. Viva Carolina Maria de Jesus, não nos esquecemos. Viva Joana Angélica Moreira, sempre aqui.