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Encorpar

Nosso corpo é a forma em que nossa existência se manifesta na Terra. É através do corpo que podemos experienciar o mundo: ver, sentir, ouvir e tocar tudo o que existe ao nosso redor. Sem ele não poderíamos experienciar a vida.Nosso corpo se desenvolveu através de milhões de anos de interação com o mundo e tem um princípio inteligente que orienta seu funcionamento e regulação, uma sabedoria inata que promove sua auto-organização e equilíbrio.

A cultura ocidental entende corpo e mente como duas entidades separadas de valor desigual, onde a mente é a grande soberana e o corpo, território a ser dominado, matéria-prima a ser esculpida. Nessa visão, o corpo precisa ser moldado com a força da mente nas formas desejadas pela cultura, diminuindo assim sua beleza, sabedoria e potência naturais. Essa visão estreita não nos permite vivenciar plenamente a grandeza de habitar o corpo, limitando nossa experiência (com o corpo) a partir da sua forma e aparência.

Essa visão dualista apresenta um enfoque no intelecto (mente) e uma supervalorização do desenvolvimento intelectual. A educação padrão (tanto em escolas como em universidades) acontece na maior parte do tempo com estudantes sentados em ambientes fechados e aulas expositivas focadas no intelecto, que promovem cisão e desconexão tanto das experiências corporais quanto das emoções. Percebemos também que tudo o que é feito com as mãos tem menos valor do que as criações intelectuais. Esse fenômeno é fruto de uma cultura que separa esses aspectos do nosso ser, criando hierarquias de valor entre elas. 

Mas nosso corpo e nossa mente estão interligados. A mente tem uma natureza inquieta e rápida, com uma tendência a ir para o futuro (e criar ansiedade), para o passado (e gerar tristeza e culpa) ou remoer pensamentos. Temos o desafio de entender a forma como a mente funciona e nos colocarmos disponíveis para viver no presente. Já o corpo processa as informações de forma mais lenta e retém as experiências vividas de forma mais profunda. Nossas experiências e vivências ficam registradas no corpo e interagem com todo o nosso organismo. Tudo o que pensamos e sentimos é traduzido imediatamente em informações bioquímicas através de hormônios e neurotransmissores, as moléculas de emoção. A raiva pode se manifestar no fígado; o medo, nos rins; a digestão das experiências, no estômago e no intestino delgado. Cada parte do nosso corpo revela nossas experiências pessoais e como lidamos com elas. Todo o corpo tem uma consciência, assim como cada uma de suas partes. Somos feitos de matéria e consciência, emoções e pensamentos. Além disso, nosso corpo é atravessado por questões sociais, como o ambiente em que vivemos, nossas vivências familiares, nossa comunidade e sociedade ao redor. O racismo, o machismo e as distintas opressões são sentidas em nossos corpos. Nosso corpo responde ao mundo e se relaciona com ele a partir da nossa visão de mundo mas também através de valores que são impostos socialmente. Ambas são materializada em crenças, tabus e padrões de comportamento.

Na ciência milenar indiana do Tantra o corpo é percebido de forma expandida. Ele é um microcosmo que contém o macrocosmo. Os princípios que organizam o cosmos (éter, ar, fogo, água e terra) estão presentes tanto fora quanto dentro de nós. Somos uma semente da Consciência infinita. É através do corpo que podemos acessar o Todo através de práticas como o yoga e a meditação. Além da realidade física, o Tantra entende que existem outras camadas de existência mais sutis, como os chakras e os canais de energia vital, que são como portais entre o mundo físico e a Consciência. A Medicina Tradicional Chinesa e outras ciências de povos não ocidentais também vêem o corpo para além da materialidade, entendendo-o como multidimensional e feito de energia, pensamentos e intenções. 

Unir a visão da ciência ocidental com conhecimentos de outras ciências não-ocidentais nos possibilita ir além do entendimento do corpo como somente físico, assim incluindo suas dimensões emocionais e energéticas. Essas visões ampliam nossa capacidade de compreensão do corpo, produzindo uma visão integrativa que nos permite habitar esse corpo em plenitude percebendo seu potencial pleno, sua ligação com a vida, a Terra e o cosmos. 

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