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Manifesto Mandala Lunar 2020

Existe uma relação histórica entre a exploração da terra e do corpo das mulheres. Na visão antropocêntrica e eurocentrada que move o sistema capitalista, a terra tem sido reduzida a uma fonte de matéria-prima explorável, assim como nossos corpos, desrespeitados e silenciados.

Nesse modo de pensar e agir, a vida, em toda a sua beleza, complexidade e interdependência, fica reduzida a um mero recurso de produção para manter um sistema desequilibrado e desequilibrante. De dentro da terra tira-se matéria-prima para gerar energia não-renovável, combustíveis fósseis que aumentam drasticamente a quantidade de carbono no ar e são os principais causadores do aquecimento global que estamos vivendo. Nas cidades, o estilo de vida consumista que praticamos se mostra cada vez mais insustentável. O modelo de desenvolvimento industrial que ainda praticamos destrói a vida como se a terra e tudo que há nela existissem exclusivamente para os seres humanos.

Ao longo da história, o trabalho feminino na sociedade foi invisibilizado e inferiorizado. Saberes tão importantes para a manutenção da vida (como cuidar das crianças, cuidar das relações comunitárias, nutrir os corpos, cuidar das roças), foram considerados os menos importantes. O corpo feminino foi objetificado, reduzido em sua multidimensionalidade, para se conformar a modelos religiosos e dogmáticos, padrões de beleza eurocêntricos e comportamento “próprios para mulheres”. Nossa sexualidade e nosso desejo foram castrados, assim como a confiança em nós mesmas, em nossa inteligência, e na potência de nossos corpos. Com o tempo, isso foi apagado da memória os antigos saberes intuitivos das mulheres. Acabamos perdendo o acesso aos conhecimentos mais básicos sobre nossos ciclos, nosso autocuidado e nossos caminhos de cura individuais e coletivos. Acabamos perdendo os conhecimentos mais básicos sobre nós mesmas, nossos ciclos, nossas necessidades.

Geração a geração, as mulheres vêm mudando essa história, conquistando direitos, abrindo caminhos — aos poucos, uma nova cultura está sendo criada. Muitas mulheres das gerações passadas tiveram a ousadia e a coragem de sonhar com outras realidades possíveis. Por isso é que hoje algumas de nós já vivemos os sonhos de nossas ancestrais. Estamos recontando nossas próprias histórias, desconstruindo as diversas opressões históricas sobre nossos comportamentos, nossos corpos e nossa sexualidade, aprendendo a amar (ou a não mais odiar) nosso sangue, nossos pêlos, nossas formas.

É importante lembrar que muitas dessas conquistas ainda não são acessíveis para todas, pois somos seres atravessados por inúmeros desafios, de classe, etnia, cor, etc. — bem como combinações entre essas contingências. Além disso, não podemos esquecer que muitos desses avanços estão hoje em risco,
por conta de uma onda conservadora no sentido oposto à nossa liberdade. Conhecer a realidade de mulheres de diversas cores, formas, realidades pode ajudar cada uma de nós a expandir nossa consciência e capacidade de cuidado e de empatia — não só no plano da mente, mas no nível da ação prática, no dia-a-dia. Essa é uma busca necessária para que possamos continuar vivendo, e o simples fato de estarmos juntas nessa busca já é um ato político. Juntas, cuidando de nós mesmas e umas das outras, curamos a própria terra.

Nesse contexto, a Mandala Lunar é uma ferramenta para estudar nossa natureza cíclica e nossos corpos. Criando um continente para nos conectarmos de volta com os ritmos naturais da vida, rompendo com a mentalidade linear e mecanicista do patriarcado e nos trazendo de volta à vida.

“Nós somos aquelas que estávamos esperando”.

Cada pequena ação é uma pequena onda, que reverbera para transformar o todo.

“Nunca duvide que um pequeno grupo de pessoas conscientes possa mudar o mundo. De fato, sempre foi assim que o mundo mudou.” ~ Margaret Mead

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