por Laísla Dantas Chagas
De início, contrações rítmicas involuntárias. A respiração fica ofegante. É cada vez mais difícil de cerrar os lábios. Algumas vocalizações fluem. Até que uma descarga explosiva de tensões neuromusculares ocorre no auge da resposta sexual, culminando em sentimentos diversos, eufóricos e, ao mesmo tempo, fugazes de intenso prazer vivenciados por um estado focalizado na consciência.
A partir dessa descrição muitas de vocês já sabem do que estou falando, apesar de existir um número variável de definições que enfatizam determinado aspecto em particular. Afinal tenho certeza de que você poderia definir da sua própria forma a partir do ponto que você mais observa e de outras tantas coisas que envolvem a construção da sua personalidade. Até porque no orgasmo existem individualmente diferentes elementos, como tipo de estímulo, intenção, além dos fenômenos paralelos que estão relacionados com a concepção pessoal do tema da sexualidade, profundamente influenciado pela cultura.
Em linhas gerais, durante o orgasmo há uma contração dos músculos do períneo e outras partes do corpo (há de 5 a 9 contrações na vagina entre 4 e 7 segundos de duração, orgasmos mais prolongados podem levar cerca de um minuto e ter 25 ou mais contrações), a pressão arterial e frequência cardíaca quase dobram, acompanhadas da contração sequencial dos órgãos genitais, da secreção de vários hormônios e das vocalizações. A sensação mental seria difícil definir com precisão e, em alguns casos, há um estado de desvanecimento, chamado de petit mort (pequena morte); e embora esse aspecto tenha sido tratado como mito, o orgasmo pode proporcionar um estado alterado de consciência provocado por, como os cientistas denominam, um “arrastamento neuronal”, que seria a ativação de várias estruturas do cérebro suscitando um foco direcionado para a sensação que é experimentada.
No entanto, ainda ouvimos de muitas mulheres que elas nunca experimentaram essa sensação ou não sabem dizer se chegaram lá. Cerca de 55,6% das mulheres não sabem identificar quando teve um orgasmo (1). Estima-se que em 95% dos casos a anorgasmia feminina seja causada por fatores culturais, psicológicos e emocionais, sendo apenas 5% causados por uma questão biológica (2). E é por isso que precisamos falar do aspecto individual e coletivo da sexualidade.
A sexualidade é o resultado da interação entre fatores biológicos, psicológicos, culturais, socioeconômicos etc. (vale a pena dá uma lida no meu último texto: Significados inCorporados), sendo assim ela envolve vários aspectos do ser humano. Nossas crenças, desejos, atitudes, valores, papéis, influenciam a forma com que buscamos e sentimos prazer. Não é novidade que em relação a nossa sociedade há uma diferença nas regras, crenças, mitos, comportamentos, permissões etc. assumidos/adotados como pertencentes à esfera masculina ou feminina, devido às atribuições de papéis que são apreendidos desde cedo e reforçados ao longo da vida.
Nesse ponto, é interessante fazermos algumas perguntas antes de continuar: Entre as permissões culturais, onde está a verdadeira sexualidade das mulheres? Como essas permissões impactam a resposta sexual feminina? Como elas naturalizam diferentes comportamentos sexuais para homens e mulheres?
Sexualmente falando, em conjunto com permissões sociais, há um direcionamento da percepção dos nossos sentidos e da nitidez diferenciada que damos a cada uma das sensações que refletem, ao mesmo tempo que constroem, a nossa sexualidade. Socialmente, na história da cultura ocidental, a construção do corpo feminino inclui uma série de crenças de inferioridade. A sexualidade das mulheres é vivida de forma diferente da dos homens devido às permissões sociais que limitam a busca e as sensações do prazer, bem como sua manifestação. O corpo da mulher tem ocupado um espaço que serve para mostrar o desejo como uma forma de atrair e ser reconhecido, para buscar aceitação a partir do físico. O que aprendemos desde cedo é o desejo de ser desejada.
As mulheres foram (e têm sido) forjadas para almejar a aprovação masculina.
Assim, enquanto 76% dos consumidores de pornografia são homens, meninas pensam, muito antes de descobrir a masturbação, em como podem se tornar atraentes, e acreditam que é aí que reside seu prazer. Não conhecemos o nosso corpo e em muitos casos compartilhamos o que não conhecemos e esperamos que o outro cumpra o papel de conhecer o que é nosso. Sem qualquer outra referência, é natural que sejam absorvidas as fantasias da cultura dominante como se fossem nossas.
Dizem que toda a arte da humanidade começou com uma imagem de uma vulva. As imagens e os objetos mais antigos que foram encontrados na Terra são repletos de vulvas, presentes em diversos sítios arqueológicos. O que nos leva a crer que tais símbolos tinham um significado existencial muito mais amplo. No entanto, a partir do século XVIII e XIX na cultura ocidental, a genitália feminina começa a ser descrita em termos médicos como um vazio. A mulher agora é processada de forma fragmentada. Representações que refletiram também na percepção cultural das mulheres como “receptáculos passivos”.
Nos foi negada qualquer descrição da presença complexa e instigante de nossas sensações genitais. Nossa educação parte de um contexto de coisificação e dissociação que absorvemos de sugestões externas e que remodelam a sexualidade feminina, fazendo, talvez, com que ela seja mais dócil/domesticada do que ela seria verdadeiramente libertada.
Dalila e Judite, Aspásia e Lucrécia, Pandora e Atena, a mulher é, a um tempo, Eva e a Virgem Maria. Hora uma santa, colocada num pedestal, hora uma serva; ao mesmo tempo cura e maldição. A hesitação entre o medo e o desejo, entre o temor de ser possuída por forças incontroláveis e a vontade de captá-las, reflete-se de maneira impressionante nos mitos sobre a ambivalência das mulheres.
Reforçado pela tradição judaico-cristã, o papel das mulheres é duplo; essa dicotomia compõe uma série de mandatos sociais para as mulheres buscarem uma identificação com a imagem que nega qualquer desejo ou a performance de uma hipersexualização que tende a reproduzir uma lógica de subserviência.
Assumir esse protagonismo é um papel ativo, mas ele não é somente individual. O controle dos nossos corpos para manutenção do status quo, a dupla e tripla jornada feminina, a apropriação da sexualidade feminina e a própria capitalização da insegurança mostram o quão precarizada está a nossa sexualidade e como isso é provocado sistematicamente. Manter uma vida sexual nem ao menos deixou de ser visto totalmente como pecado e passa a já refletir uma desigualdade social e um sistema mercadológico a ser explorado.
Reconhecer e permitir o prazer requer autoconhecimento, disponibilidade e autodeterminação. Conhecer as diferentes cores, texturas, cheiros, consistência, sensações, aprender maneiras diferentes de estimulá-los, saber ler e escrever o próprio mapa erótico, inteiro, sem fragmentações, culpa ou expectativa. É permitir consagrar a si mesma e se entregar no caminho.
Notas: (1) Departamento de Transtornos Sexuais Dolorosos Femininos da Universidade de São Paulo (USP) (2) VEIGA, A P. Orgasmo: querer e poder. Revista IGT na Rede, v. 4, n. 6, p. 22-31, 2007.