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A Unidade na Diversidade: o que temos em comum com as baleias?

Cada ser humano é uma combinação única de experiências, moldada por fatores biológicos, culturais e espirituais. Não há dúvida: nossas histórias pessoais nos tornam indivíduos com identidades próprias.

Mas talvez a maior riqueza e complexidade da vida resida no fato de que, por mais distintas que essas histórias sejam, existe um fio que as perpassa. Um fio invisível que conecta não apenas as pessoas, mas todos os seres vivos, formando uma tapeçaria rica e complexa, onde cada espécie, por mais distante que possa parecer, compartilha um capítulo da mesma história evolutiva.

Para que haja mais harmonia nas nossas relações com o mundo, nós, seres humanos, precisamos cada vez mais nos aproximar da consciência que nos conecta a essa unidade subjacente. Precisamos entender o nosso lugar e respeitar o dos outros.

Cada ser é único em sua expressão. Do bater do coração humano ao movimento das barbatanas de uma baleia, há uma sinfonia de vida em ação, manifestações distintas da mesma força vital.

Essa dualidade — de sermos únicos e, ao mesmo tempo, interconectados — nos ensina sobre humildade e reverência pela vida. Ela nos lembra que, apesar de nossas diferenças e individualidades, há uma unidade que nos une a todos. E essa unidade é o que torna a vida tão rica, tão diversa e tão incrivelmente bela.

A Passagem da Água para o Ar: Um Rito de Transformação

O fio que se estende a todos os seres vivos abarca características universais, estruturas fundamentais da vida, como o DNA, a reprodução e a adaptação ao ambiente.

Os mamíferos placentários são um grupo de mamíferos que possuem uma placenta bem desenvolvida, que é um órgão temporário responsável pela nutrição, troca de gases e remoção de resíduos entre a mãe e o feto durante a gestação.

Em uma análise simbólica, para os mamíferos placentários, a placenta é o portal através do qual a vida faz sua transição do desconhecido para o conhecido, do protegido para o explorado. No útero, envolto em líquido amniótico, o feto está em um estado de total conexão com a mãe, um microcosmo onde todas as possibilidades estão presentes, mas ainda não manifestas.

Quando nascemos, emergimos para o ar — um ambiente de consciência, onde nossas capacidades e propósitos começam a se desdobrar. 

É como se o ar representasse o espírito, a mente e a liberdade que se desdobra na vida consciente. Em muitas culturas, a respiração é sagrada, simbolizando a conexão entre o corpo e o espírito. Ao respirar pela primeira vez, o ser vivo sincroniza-se com a energia universal que tudo permeia.

A transição da água para o ar, tanto para os humanos quanto para as baleias, é um rito de passagem que marca o início de uma jornada de autodescoberta e adaptação: pela primeira vez, respiramos por conta própria.

A Grande Jornada das Baleias-Francas

Anualmente, as baleias-francas empreendem uma das mais épicas migrações do reino animal. Elas deixam as águas geladas da Antártica, onde o pequeno crustáceo krill, seu principal alimento, é abundante, e viajam até o litoral catarinense para dar à luz. 

Essa jornada de mais de três mil quilômetros pode levar até dois meses. As baleias precisam dessas águas mais calmas e rasas do litoral brasileiro para garantir a sobrevivência de seus filhotes. 

“Os filhotes de baleia são atrapalhados e curiosos como qualquer mamífero jovem,” explica o professor Paulo. “Eles precisam subir à superfície para respirar e não conseguem segurar tanto oxigênio quanto a mãe. Por isso, é essencial que nasçam em águas onde os predadores são menos numerosos”, conclui.

Para garantir a sobrevivência dos filhotes, as baleias adultas realizam uma preparação impressionante antes de iniciar sua migração. Elas fazem uma ‘reserva alimentar’ e permanecem em jejum durante a longa viagem de volta à Antártica.

“É um planejamento crucial,” continua o professor. “A mãe baleia precisa calcular o momento certo para deixar as águas ricas em alimento e iniciar a migração, de modo a chegar ao destino na hora certa para parir.”

A Sincronia da Vida: Gestação e Migração

A maioria dos mamíferos, incluindo os humanos, tende a dar à luz perto de onde se alimentam. No entanto, as baleias, como os maiores mamíferos do planeta, precisaram realizar adaptações.

Uma dessas adaptações envolve o tempo gestacional. Para a maioria dos mamíferos, há uma regra simples: quanto maior o animal, mais longa a gestação.

“Os pequenos mamíferos, como os roedores, têm gestações curtas, de apenas alguns meses,” explica o professor. “Um mamífero grande, como o elefante, tem uma gestação que dura até 24 meses. Então, naturalmente, esperaríamos que uma baleia, sendo muito maior, tivesse uma gestação ainda mais longa.” Mas as baleias-francas surpreendem por ter um período gestacional de apenas 12 meses — quase o mesmo tempo que os humanos.

“Por que isso acontece?” questiona o professor. “A resposta está na necessidade de sincronizar a gestação com a migração. Como as baleias precisam migrar de águas frias para águas mais quentes para dar à luz, elas têm que alinhar o tempo de gestação com esse ciclo migratório anual. Isso requer uma precisão incrível na coordenação entre os ciclos biológicos internos e as mudanças sazonais externas.”

O parto

Na maioria dos partos vaginais de humanos, a cabeça dos bebês é a primeira a sair. O contrário acontece com as baleias: os filhotes nascem pela cauda, e a cabeça é a última parte que sai.

“A última coisa que acontece com ele quando ele está nascendo, quando está passando pelo canal de parto, é justamente a saída da cabeça. Nesse momento, ele tem o reflexo de vir à superfície para respirar. É a primeira vez que ele está respirando, imagina! É uma passagem inacreditável entre dois mundos: o mundo da placenta e o mundo do ar.” explica Paulo Simões Lopes, biólogo aposentado da UFSC, que dedica sua vida ao estudo de mamíferos aquáticos.

As baleias têm adaptado sua biologia e seu comportamento ao longo de milhares de anos para sobreviver. Elas pertencem à ordem dos cetáceos, um dos grupos de animais mais antigos da Terra, com uma história evolutiva que remonta a milhões de anos. Seu atual ciclo de vida e migração reflete uma adaptação notável às condições variáveis do ambiente marinho, o que inclui as mudanças climáticas.

O Alto Custo da Vida: Lactação e Sobrevivência

A energia necessária para a reprodução e o cuidado com os filhotes é imensa. Assim como os humanos, as baleias têm um alto custo biológico para produzir e nutrir um filhote. 

A gestação e a lactação representam fases de enorme demanda energética, especialmente porque as fêmeas estão em jejum durante grande parte desse período.

“A lactação é a fase que mais consome energia das baleias,” diz o professor. “Mas a gestação, especialmente durante os estágios finais, também é extremamente exigente, já que as fêmeas estão migrando e precisam garantir a sobrevivência de seus filhotes em ambientes difíceis.”

A Unidade na Diversidade

O nascimento físico é apenas o primeiro de muitos “nascimentos” que experimentamos ao longo da vida. 

Cada respiração, cada passo, é uma renovação do compromisso com a vida, uma aceitação do papel que desempenhamos no grande ciclo do universo. Em cada fase da vida, enfrentamos novos desafios e oportunidades de crescimento para garantir a continuidade da vida.

Somos apenas uma entre muitas espécies — parte da ordem dos primatas, da família dos hominídeos, do gênero Homo e, por fim, da espécie Homo sapiens. Somos, em essência, um entre muitos, compartilhando este planeta com incontáveis formas de vida, cada uma com seu próprio papel e propósito.

Texto por Juliana Fronckowiak Geitens

1 Comentários

  1. Fawzia de Fátima

    22 de setembro de 2024

    Texto simples e ao mesmo tempo complexo. Assim como a vida é. Mas celebrar a vida e a diversidade através dessa lente, parece que fica muito melhor. Obrigada!

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