« Voltar para o Blog

Mbaraete Reko Rã’i

por Jerá Guarani

Na cosmovisão guarani, as águas dos rios, as pedras das montanhas, as plantas das florestas e os animais selvagens são seres que habitam o planeta e possuem um Ijá (guardião espiritual). Compreendemos que as plantas precisam viver na floresta junto de seus guardiões espirituais. Quando entramos na mata para realizar uma coleta, pedimos permissão a eles, compartilhando nossas intenções com respeito e agradecendo pela possibilidade de cura.

A sabedoria do plantio, do cultivo, da colheita e do preparo é passada das pessoas mais velhas para as mais jovens. Os ensinamentos orais são transmitidos pelos Xeramõi (anciãos) e pelas Xejary (anciãs). Por meio deles aprendemos a nos relacionar com os poderes dos seres vegetais, que, com suas raízes, folhas, flores, sementes, cascas, frutos e cipós, curam e fortalecem nossos corpos e espíritos. A floresta é a farmácia viva de medicinas que nos mantêm em pé, por isso, quando nossos territórios ancestrais são invadidos e destruídos, perdemos a sustentação da vida. Recentemente, tive uma visão espiritual em um sonho: percorri um caminho no meio de uma terra seca e devastada pela monocultura do agronegócio. Caminhei com os pés junto à terra e senti, em todo o meu corpo-espírito, seu choro de dor.
Na Terra Indígena Tenondé Porã, temos nos curado espiritualmente e fortalecido nosso modo de vida tradicional por meio dos rituais com a medicina da Moã’i, conhecida como ayahuasca, um chá feito a partir da união de folhas e cipós. Essa medicina tem sido essencial para nos curarmos de doenças como o alcoolismo, a depressão e a violência contra as mulheres, que passaram a acometer nosso povo a partir do processo de invasão, roubo e destruição de nossos territórios.

 A consagração da Moã’i nos auxilia na conexão entre o mundo terreno e espiritual, ampliando a visão para o que é realmente importante e valioso. Nos rituais, cantamos pedindo sabedoria e coragem para mirar o caminho coletivo que precisamos percorrer na luta pela vida. A sociedade dos juruá (não indígenas) precisa compreender que a ayahuasca é uma medicina sagrada ofertada pela Terra, guardada há milênios pelos povos indígenas, e não uma mercadoria de cura individual na estante do capitalismo. 

Quantas pessoas brancas têm bebido essa medicina e quantas têm despertado, para além de sua cura individual, e se unido em ações concretas na defesa da vida dos povos indígenas e da Terra? Por quanto tempo seguirão presas na ilusão encantadora de sua egoísta paz? Por quanto tempo seguirão vendo somente a beleza de imagens geométricas e selvagens coloridas e sendo indiferentes em relação à guerra aos povos, à exploração de corpos, à fome e à destruição da Terra?

Arte de Karla Ruas para a Mandala Lunar 2023
Entrevista e edição do texto: Silvia Zonatto

Comentar