Texto de Cristine Takuá
Arte de Ula Basinska
A Terra nos acolhe, nos alimenta e nos protege com seus infinitos seres que compartilham conosco este território tão sensível e criativo. Os humanos não são donos das florestas, mas apenas pequenos grãozinhos em meio à imensidão que os rodeia. Somos responsáveis pela interação com tudo que é vivo. Nessa teia de relações e interações, conseguimos, com nossas duras e pesadas pegadas, desequilibrar, ao longo da história da humanidade, a morada de muitos espíritos. Repensar e refazer essa caminhada começa por curar as feridas de nossa Terra.
Ser mulher indígena é tecer grandes tramas em diálogo com muitos seres e viver defendendo a Terra, de onde brota a vida e tudo que nos faz resistir. É sonhar e acreditar no sonho como possibilidade de mensagem do fortalecimento do amanhã. É espelhar-se na memória ancestral que habita nossa essência primeira e praticá-la no dia a dia, transmitindo esses saberes para as crianças e os jovens. É fazer brotar o respeito do fazer com as mãos, do praticar através da arte, do canto, do rezo.
Saber nascer tradicionalmente é um ato de resistência, um movimento que deve ser fortalecido em cada território. A força, a concentração e os fazeres milenares de um saber que é fruto de uma ampla teia de relações internas que vêm sendo preservada por muitos povos e culturas do mundo todo. Rezar por uma mãe grávida e ajudar seu nenê a vir tranquilamente ao mundo é algo muito sagrado.
Nos dias de hoje, muitas mulheres não vivem isso plenamente, devido a uma educação que não orienta e um sistema que impõe um modelo que afasta e enfraquece a transmissão e a prática desses conhecimentos sobre saber nascer. No hospital, as práticas são violentas, não tem reza, não tem concentração e, muitas vezes, submetem a mulher a uma cirurgia (cesárea) sem necessidade. Já passou da hora de pararmos para refletir sobre o saber nascer. Que educação é essa que não fala do parto, da vida, da morte, dos saberes ancestrais? Por milhares e milhares de anos, todas as mulheres e suas avozinhas traziam crianças ao mundo com cantigas rezadas e ervas para acalmar, equilibrar e acompanhar esse momento tão único e mágico.
Enquanto as parteiras seguirem semeando plantinhas de curas e os rezadores, com seu tabaco sagrado, abençoando a chegada de novas crianças, e esses seres pequeninos continuarem cantando e encantando a Terra, ainda haverá esperança de que conseguiremos equilibrar as feridas de nossa morada.