A chegada de um bebê transforma radicalmente a vida da mãe e requer grande reordenamento biopsicológico. Os desafios são inerentes ao período, conhecido como puerpério, e cada vez mais trazidos ao debate público pelas mulheres. Nesta entrevista, a psicóloga perinatal Camila Barros explica os temas que costumam aflorar com a chegada da maternidade.
Especializada em saúde mental da mulher e materna, Camila tem uma filha de 5 anos. “A maternidade foi a razão de eu ter enveredado para a Psicologia Clínica. Ao sentir na pele meus processos internos na gestação e no puerpério percebi uma carência enorme de profissionais com olhar especializado e calibrado para esse tipo de atendimento. Fui pesquisadora a maior parte da minha vida profissional, mas senti um chamado para trabalhar com mulheres e pelas mulheres”.
Hoje Camila integra o corpo clínico da Livre Maternagem, em Brasília, e atende mulheres em todos os ciclos da maternidade. Também é co-criadora do Acolhendo o Puerpério, que tem por objetivo formar profissionais para o atendimento especializado a mulheres-mães vivenciando o puerpério.
Confira:
Apesar de socialmente ser esperado que o puerpério seja um período de realização, felicidade e alegria, este é marcado por intensas transformações com demandas emocionais muito diferentes do que qualquer outro período vivenciado pela mulher.
Enquanto as mudanças na gestação são sentidas gradualmente, a transformação da vida após receber o bebê nos braços é abrupta. Privação de sono, perda de referências de ritmo, falta de espaços de identificação, vida regida pelas necessidades do bebê, perda de autonomia, falta de rede de apoio, falta de tempo para autocuidado, expectativas frustradas, são alguns fatores que somados a mudanças hormonais e cerebrais importantes colocam o puerpério como um período complexo em termos de saúde mental e emocional da mulher.
O puerpério é um período de adaptação que demanda da mulher intensa elaboração psíquica e, por sua complexidade, entende-se que dura em média até 36 meses após o parto – tempo necessário para que mulher se sinta reequilibrada em seus diferentes papéis sociais.
É esperado que a mulher apresente grandes variações em sua forma de se manifestar e expressar no Puerpério, no entanto todas nós temos parâmetros particulares que podem apontar para questões mais preocupantes. A mandala lunar é uma excelente forma de mapear emoções e comportamentos e a partir disso podemos avaliar o quanto estão intensos ou frequentes, por exemplo, importantíssimos para sinalizar questões de saúde mental mais complexas.
Além disso, mapear também acontecimentos, fatos ou variáveis que demonstraram trazer mais leveza ao processo podem ser excelentes ferramentas estratégicas para melhorar os momentos mais pesados do processo. E ainda, acredito que a mandala oferece uma excelente oportunidade de desaguar o que muitas vezes não é “permitido” socialmente a mulher nesse período tão cercado de tabus.
No puerpério é muito importante observar se as emoções ou comportamentos são intensos demais e/ou se duram muito tempo ao longo do dia e/ou ainda se estão se apresentando com muita frequência – seja qualquer emoção ou comportamento, entendidos como positivos ou negativos – devem ser olhados com carinho por profissional especializado.
Sono e apetite fora do normal para a mulher ou que não seja justificado pela fase de adaptação com o bebê também são importantes sinais e precisam ser avaliados. Por exemplo, a mulher não consegue dormir mesmo quando o bebê dorme a noite ou a mulher não tem fome mesmo com um bebê mamando em livre demanda. Ao sinal de qualquer dúvida é importante procurar um profissional.
Tenha uma rede de apoio real. Rede de apoio real é um grupo de pessoas que é corresponsável não apenas pelos com os cuidados bebê, mas também pelos cuidados com a casa e também por você. A mulher precisa se sentir segura de que tudo funciona mesmo se ela for fazer uma caminhada, tomar um sol, ir nadar, descansar, tomar um banho mais demorado, respeitar suas necessidades fisiológicas e até para comer uma comida quente.
Se não existe rede de apoio, nenhuma sugestão de autocuidado é viável.
Escute e acolha essa mulher. Quanto menos julgamento e cobrança e mais companheirismo e parceria, mais leve o Puerpério fica. De pesado basta a responsabilidade de manter um filhote de ser humano vivo.