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O inverno e o estudo dos sonhos

Todos os seres humanos sonham, mas nem todos lembram. Vivemos um tempo de medo ao mistério, no qual se valoriza o que se tem como medir e comprovar através da racionalidade. O inverno é um momento propício para o recolhimento e introspecção, convidando você a mergulhar no estudo dos sonhos. 

Ao longo da história, os sonhos ocuparam um lugar central na vida de muitos povos e civilizações. Registros históricos nos mostram que, até a idade média, na África e na Europa, templos de cura eram espaços preparados para que as pessoas pudessem sonhar e ser acompanhadas por intérpretes de sonhos. Em Abya Yala, atual continente americano, muitos povos indígenas ainda mantêm vivo o hábito de interpretar sonhos, dando um lugar central para essa prática na vida comunitária.

Para Carl Gustav Jung, criador da psicologia analítica, os sonhos são janelas de acesso ao inconsciente pessoal e coletivo, ao que está oculto, ao mundo profundo da alma.. Por mais estranho que um material onírico possa parecer, ele sempre tem um caráter revelador, um significado. O ato de interpretar um sonho acrescenta algo à nossa consciência, ajudando-nos a sair de estados de estagnação psíquica, criando novos sentidos para nossa existência.

Você é roteirista de seus sonhos

Ainda que não saiba, todas as noites você se torna roteirista de seus sonhos, autora de uma obra de seu inconsciente que desenha um campo de símbolos e significados internos de sua psique.

Jung nos diz que o movimento de olharmos para os nossos sonhos nos ajuda a nos tornarmos quem verdadeiramente somos, pois nosso ego é capaz de reter os registros assumindo ações concretas de transformação. Nesse processo em busca da nossa individuação como seres humanos, deparamo-nos com o que já fomos, somos e aspiramos nos tornar como seres singulares e profundos.

Temos a tendência de buscar significados óbvios em dicionários de sonhos, o que acaba reduzindo o exercício de ampliação. É necessário explorar e abrir perguntas sobre o que está presente nas imagens. Cada pessoa tem uma história de vida que gera elementos com significados únicos e subjetivos.

Tenha um gravador de áudio e, ao acordar, narre seus sonhos registrando as cenas, seus detalhes e suas sensações. Depois disso, siga o movimento de ampliação através das imagens através da escrita de associações pessoais.

Faça uma lista com todos os elementos presentes no sonho: cenários, pessoas, animais, objetos, outros seres. Se seu sonho aconteceu em um rio, por exemplo, pergunte-se: Como é minha relação com as águas doces? O que esse rio representa para mim? Que memórias da minha vida tenho com ele? Como ele se manifestou no sonho: calmo ou agitado? 

Observe como os elementos presentes se relacionam entre si e também esteja atenta à parte final do sonho, o desfecho é muito relevante.

Não tenha receio em mergulhar nas imagens mais latentes, abra-se para explorar possibilidades de criação artística, são muitas as formas possíveis. Você pode colocar uma música instrumental sem letra, deitar no chão, ficar em silêncio com os olhos fechados e se conectar com as sensações do sonho iniciando movimentos corporais lentos e espontâneos. Deixe que o corpo expresse um caminho. Permita que as águas transbordem: chore, ria, solte. Esse pode ser um momento de insights. Registre o que for importante.

Persona e sombra

Jung nos diz que a persona é a parte de nossa psique que passamos a ser em resultado dos processos de aculturação social, educação e adaptação ao meio em que vivemos, é a face que mostramos para o mundo. Já a sombra é uma parte inconsciente de nossa personalidade que desconhecemos, escondemos ou reprimimos.

A sombra tem uma função muito importante. Apresenta-se através de sonhos, expressões criativas, insights ou intercorrências da vida que nos fazem agir por impulsividade. Entrar em contato com ela é um dos grandes desafios da análise junguiana.

Jung dizia que é fundamental olharmos para os “esqueletos que escondemos dentro do armário”, os aspectos sombrios que moram no submundo do inconsciente. Quando negamos essa parte de nossa personalidade, a tendência é que façamos uma projeção em outras pessoas que enxergamos como inconvenientes ou desprezíveis. Ao nos abrirmos para o diálogo com a sombra, deparamo-nos com questões morais e éticas que acreditamos que mancham nossa autoimagem. Por isso, a abertura de um espaço adequado para que nossos aspectos sombrios se manifestem é essencial.

Quando analisamos nossos sonhos, mapeando os aspectos de nossa sombra, acabamos por entender que ela não é tão “monstruosa” como imaginamos. Ao assumirmos nossas partes obscuras, alcançamos uma totalidade mais verdadeira. A arte é um campo rico e cheio de possibilidades para expressá-las.

Encare o espelho escuro sem medo, seus traços sombrios, dance-os, abrace-os com amor.

Psique e o estudo dos sonhos

Para Jung, a psique é uma região que está localizada no espaço entre a matéria e o espírito, entre o corpo humano e a mente transcendente, entre instinto e arquétipo. São duas extremidades que possuem aberturas para a entrada de informações.

Jung acreditava que essas informações que absorvemos passavam pelo inconsciente coletivo, a camada mais profunda da psique, onde eram afetadas por outros conteúdos e, após esse processo, emergiam para a consciência sob forma de sonhos, intuições, visões, percepções de impulsos instintivos, imagens, emoções e ideias.

O inconsciente coletivo é composto por imagens arquetípicas que guardam uma essência, uma matriz dos símbolos, são formas atemporais que vão acumulando informação e manifestam-se em cada cultura conforme as características de seu tempo e espaço. Os arquétipos nos estimulam a imaginar, sendo fontes preciosas de informações que dizem respeito à vivência humana, condensando aspectos de luz e sombra, positivos e desafiadores, sadios e adoecidos, sendo sempre ambivalentes.

Os mitos são narrativas de histórias que marcaram o início do processo de elaboração dos símbolos e arquétipos. A excessiva valorização da racionalidade na cultura ocidental moderna desconsiderou essa sabedoria e, desse modo, nos fez perder uma forma preciosa de analisar nossas experiências, levando a um esvaziamento existencial que, atualmente, serve ao fortalecimento do capitalismo neoliberal globalizado.

Por isso, xamãs e cientistas têm afirmado: a humanidade precisa voltar a narrar seus mitos, sonhos e imaginações. Precisamos recuperar essa sabedoria ancestral milenar.

Você tem observado seus sonhos? Já percebeu imagens arquetípicas se manifestando através deles?

Para continuar o seu estudo dos sonhos, acompanhe os conteúdos disponibilizados aqui no blog da Mandala Lunar.

Ilustração de Chana De Moura

4 Comentários

  1. Tatiana Vanessa Bouzan

    4 de julho de 2023

    Gratidão 🙏 pela belíssima reflexão 💕

    • Mandala Lunar

      4 de julho de 2023

      Ficamos felizes que você gostou da reflexão, Tatiana! Vem muito conteúdo sobre os sonhos por aí. Um beijo carinhoso!

  2. Kelry Soeiro trindade

    4 de julho de 2023

    Gratidão por tantos ensinamentos, encontrei por acaso, mais como na vida nada é por acaso sei que vc ele veio para mim porque eu estava precisando aprender mais,este assunto é mto importante pra mim sempre me pergunto mto sobre meus sonhos e nem sempre consigo descrever e as vezes sei que sonhei mais não consigo lembrar deles e as vezes passam dias aí do nada eu lembro que sonhei com alguém ou um lugar ou até mesmo de um sonho que tive a semanas atrás e isso me deixa confusa e né pergunto porque eu esqueço os sonhos,o que eles querem me dizer só tenho a lhe agradecer pelo esclarecimento foi mto útil pra mim e vou compartilhar!!

  3. Cris M G Martins

    5 de julho de 2023

    Lindo o texto!! Simples e belo.❤️
    Gratidão!

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